Escolas matam a aprendizagem

Você já terminou os estudos e já está no mercado de trabalho? Por que eu perguntei isso? Eu acho muito interessante essa expressão “terminar os estudos”. Faz parte do dia a dia. A gente fala: “Ah, terminou os estudos”, “Eu vou terminar…” Terminar os estudos é um conceito que varia [dependendo] de cada realidade. Pra algumas pessoas, terminar os estudos é acabar o colégio; pra outros, é acabar a faculdade; pra outros, é acabar pós, mestrado e tal; mas, independentemente de realidade, o que me incomoda nesse conceito é a premissa de que os estudos terminam.

Quem disse que os estudos terminam? Essa é uma premissa em que a gente foi domesticado a acreditar porque a gente aprendeu que a vida tem duas etapas:  primeiro, a gente estuda; depois, a gente trabalha; duas décadas estudando, quatro décadas trabalhando. A gente estuda pra se preparar para o mercado de trabalho.

Aí, “termina os estudos” e vai encarar o mercado de trabalho. O problema dessa lógica é que o mercado pro qual a gente se preparou é diferente do mercado que a gente vai encarar. Por quê? Pelo motivo óbvio de que o mundo está mudando muito rápido e, cada vez mais, acelerando.

O que a gente estudou ontem muitas vezes não serve pra amanhã. Isso se conecta com o primeiro assunto de que eu quero falar: esteira rolante. Imagina o seguinte, bicho: imagina que o mundo é uma esteira rolante. A esteira está rolando “caporra”, e você tem que encarar essa esteira, chegar nessa esteira e encarar. Se você chega na esteira, entra nela e não faz nada, vai pra trás, a bicha te leva pra trás; é um “Moonwalk” pra trás, né?

Mas, se você entra na esteira do mundo e anda na mesma velocidade que ela, você para no canto. Tem que andar mais rápido que o mundo pra poder evoluir. Lembra, na aula de física? A gente estudou velocidade = ΔS / ΔT. É a variação de espaço sobre a variação de tempo. Pois a fórmula da evolução é a variação de aprendizagem sobre a variação de mudança do mundo.

Se o seu ritmo de aprendizagem for igual ou inferior ao ritmo de mudança do mundo, você está involuindo, concorda? Quem não se lembra dessa fórmula da velocidade talvez seja porque estudou ela, mas não aprendeu, porque é diferente, né? A gente confunde. Eu vou até deixar essa fórmula no cantinho ali porque depois eu volto com ela.

Agora, qual é a dificuldade de evoluir no mundo atual, de evoluir nessa esteira? A dificuldade é: muita informação, papai. É uma loucura. A gente fica louco com a quantidade de informação que chega. Toda hora chegando e tal; a informação é abundante. Antes, informação era escassa. A gente queria informação e era complicado ter.

Você queria uma informação visual, tipo, mulher nua, aí, você tinha que ir na banca de revista pegar essa informação pra ver um peitinho. Hoje em dia, o peitinho está acessível na internet. Você vê um peitinho a hora que você quer. Você não precisa nem ir atrás do peitinho. Ele vem até você pelo Whatsapp.

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Escolha seus curadores

Informação abundante, qualquer tipo de informação. E aí, vem a questão: como, então, lidar com essa esteira rolante cheia de informação, o mundo mudando? Como a gente correr? Como faz? E aí, eu tenho uma dica pra dar de como lidar com esse “overload” de informação, que é: eleja os seus curadores.

O que é um curador? Curador é uma pessoa ou entidade cujo negócio é informação. Você é médico, é engenheiro e tal…Pois tem gente cujo negócio é informação. O cara vive de filtrar, de curar a informação, pra que você que é médico, engenheiro, etc., não perca tempo com isso; ele faz isso pra você.

Então, o curador pode ser uma editora de livros, pode ser um blogueiro, um professor, uma escola. E aí, eu tenho meus curadores, e sempre penso nos meus curadores como se fossem os conselheiros, da minha empresa, “Eu S/A”.

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Imagine o conselho duma empresa e que, no meu conselho, tenho lá uma escola Perestroika, tenho a revista WIRED, eu tenho o “podcast” Optmize, eu tenho o professor Portela, eu tenho o blogue PORVIR, e o bom do nosso conselho é que a gente nem precisa falar pras pessoas que elas estão no nosso conselho; a gente bota e acabou-se. Bota e também demite: “Sai, papai. Está falando merda, sai”. No conselho, faço o que eu quiser.

Aí, vem a pergunta: “Tá, e como eu faço pra eleger quem vai fazer parte do meu conselho? Como eu defino isso aí?” Aí, entra a segunda parada de que eu queria falar, que é cinto do Batman. Eu acho o Batman muito massa porque o Batman é um dos poucos super-heróis que não têm um superpoder. Quer dizer, ele é rico, né? É um poder. Fora isso… (Risos) O Batman tem uma coisa massa: ele tem um cinto de utilidades, e o cinto do Batman tem várias ferramentinhas.

Cada ferramenta do cinto do Batman serve pra milhões de coisas. São ferramentas bem genéricas que servem pra milhões de coisas. E eu acho que, desde adolescente, eu sempre fui muito focado em desenvolver habilidade genérica, que eu sempre chamei de “habilidade cinto do Batman”. Eu fazia, com 16 anos, curso de oratória, negociação, leitura dinâmica, memorização,  que são habilidades que todo ser humano tinha que desenvolver, independente de profissão, e, como não sabia qual era meu caminho ainda, eu focava meter coisas no meu cinto de utilidades, fosse o que fosse.

A escola atrapalha o aprendizado

O problema é que, nos nossos 20 anos de escola, a gente não aprende isso. A gente só aprende informação e informação, o que fazia muito sentido, antes da era da informação… a informação não era abundante, mas agora começou a perder um pouco de sentido decorar um monte de coisas, em vez de desenvolver habilidades. A gente passa muito tempo aprendendo fórmula de Bhaskara, que poucos pessoas vão vir a utilizar.

A fórmula de Bhaskara, pelo que eu entendo, a única função dela é você poder ajudar seu filho na tarefa de casa em fórmula de Bhaskara. É um loop infinito de fórmula de Bhaskara na sua vida. A gente precisava de menos fórmula de Bhaskara e mais habilidades cinto do Batman: empatia, oratória, criatividade. E é interessante que a escola tem esse modelo industrial, focado em dar informação. É bem industrial. É industrial e a criança é o produto que fica na esteira. A criança vai na esteira, primeira série, recebe conteúdo; segunda série, outro conteúdo; terceira série, outro conteúdo…

Todos recebem o mesmo conteúdo, na mesma velocidade, no mesmo ritmo, e são testados iguaizinhos nessa esteira. E aí, recebe um monte de informação que, na era da informação, está abundante, e não desenvolvem o cinto do Batman. Já percebeu que a escola parece com uma indústria, um presídio, um quartel, uma prisão? Já percebeu? É um lugar, as pessoas acordam cedo, muros altos, todo mundo fardado, entram em salas ou celas, onde ficam obedientes; pra fazer xixi, tem que levantar a mão, até que toca um sinal e elas podem ir no pátio tomar um sol e comer um lanche.

Isso é uma escola, é um presídio, é um quartel, é uma indústria. Todos funcionam no mesmo padrão. E, pra o cinto do Batman, pra você eleger que habilidades têm que estar nesse cinto do Batman, eu tenho uma técnica muito simples: basicamente, tudo que a escola não ensina. A escola é muito focada num tipo de inteligência: a lógico-matemática. Sempre obcecados demais com isso, porque era o necessário no modelo industrial: lógico-matemático.

Só que, no mundo de hoje, de softwares, de tecnologia, de inteligência artificial, a lógica e a matemática as máquinas estão fazendo talvez melhor do que a gente. Aí, a gente devia estar se importando em desenvolver outras inteligências. Tem uma teoria das múltiplas inteligências, de Howard Gardner, que vale a pena pesquisar.

Eu não vou falar elas aqui porque tem um site incrível que explica todas elas. É o Google. Está tudo direitinho lá. E, no Google, você também pode ter acesso ao terceiro ponto de que eu queria falar: a cauda longa.

Cauda longa é uma teoria do Chris Anderson. Ele foi ex-editor da revista WIRED,  que, por sinal, também está no meu conselho, a revista WIRED ModAlerta … A cauda longa é o seguinte, o conceito é: no fundo offline, no mundo físico, a gente tinha as limitações físicas em relação à quantidade de produtos. Então, por exemplo, uma livraria, no mundo físico, tem X prateleiras, onde cabem poucos milhares de livros. Portanto, eles têm que escolher quais os poucos livros que têm maior popularidade, ou seja, aquela parte vermelha da cauda, poucos produtos com alta popularidade, que valem a pena ocupar a prateleira.

No mundo online, sem limitação física, uma livraria online pode ter milhões e milhões de livros, mesmo que eles vendam uma unidade por ano. Aí, vem a parte verde da cauda. É uma cauda super, hiperlonga. Apesar de não ser muito alta, ela é superlonga, e talvez a área, se fosse calculada, dessa cauda longa, fosse maior do que a cabeça da cauda vermelha. O que isso tem a ver com o que eu estou falando? Nós estamos na cauda longa do conhecimento.

Antes, a gente tinha uma limitação física de acesso a conhecimento. Apenas os produtos de conhecimento de alta popularidade tinham na sua cidade. Então, curso de inglês em todo lugar tem. Por quê? É um produto de alta popularidade. Os assuntos cinto do Batman, os assuntos cauda longa específicos não estavam disponíveis em função da limitação física da nossa cidade e, agora, com a internet, tudo está disponível, e o melhor: não só disponível, mas com o melhor professor do mundo.

A gente não tem mais que se limitar ao melhor professor do bairro ou cidade. A gente pode ter o melhor professor do mundo através da cauda longa. Ou seja, a mesma tecnologia que acelera o mundo, que faz o bicho moer “caporra” a esteira, também potencializa a aprendizagem, ou seja, o delta mundo está evoluindo, mas o delta A também pode evoluir. Então, em relação à cauda longa, como aproveitar essa oportunidade que a cauda longa traz? Basicamente, a gente tem que reaprender a ser autodidata. Por que reaprender? Porque, velho, a gente nasce extremamente autodidata.

Eu tenho uma filha pequena, “maria exploradora”. Ela é autodidata, ela está aprendendo tudo, toda hora. A gente era assim, obcecado por aprender, uma sede louca por aprender. Com o tempo, a gente está perdendo essa sede, essa vontade de aprender. A TED Talk mais vista no mundo é a do Ken Robinson: “Escolas matam a criatividade”.

E eu acredito que as escolas também matam a aprendizagem. As escolas nos traumatizam em relação a aprender. Por quê? Porque nós passamos quase duas décadas aprendendo na base da coerção, na base do medo, na base da obrigação, sem prazer. Aprender tem que ser um prazer, deveria ser um prazer, um prazer inerente ao ser humano, mas que a gente vai traumatizando, em função de anos e anos de experiências traumáticas em relação a aprender. Então, voltando àquela fórmula, ΔA / ΔM, esse ΔA está bastante prejudicado porque a gente se acostumou a não ser “aprendedor” e sim a ser apenas estudante.

Estudante é uma coisa que não necessariamente transforma. Você pode estudar, estudar, estudar, mas não aprender nada. A gente tem que ser “aprendedor”. E a gente não é por quê? Porque a gente frequenta instituições de ensino e não instituições de aprendizagem, o que faria muito mais sentido. Então, as três coisas que vim compartilhar aqui hoje basicamente são: nós vivemos numa esteira rolante, o mundo, moendo “caporra”.

A gente tem que encarar essa bicha e andar num ritmo de aprendizagem maior do que o ritmo de evolução do mundo. Minha sugestão pra isso: eleger curadores, pessoas cujo negócio seja conteúdo e informação, que possam curar pra você, e você não enlouquecer nessa overdose de informação que o mundo oferece. Depois, o que desenvolver? Habilidades cinto do Batman, basicamente a maioria das coisas que a escola não oferece, habilidades genéricas aplicáveis a tudo que é coisa da vida: gestão de emoções, gestão do tempo, meditação, produtividade, criatividade, empatia, negociação…

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Nada disso a gente aprende na escola. Na escola, a gente aprende as respostas para os problemas, mas não aprende a arte de resolver problemas, o que é muito mais genérico e aplicável do que saber respostas prontas, né? Na escola, tem lá o problema de matemática: “Um pedreiro constrói uma casa em 30 dias. Em quanto tempo dois pedreiros constroem a mesma casa?”

Eles esperam qual é a resposta: metade, 15 dias. Eu podia responder dois meses. Por quê? Vão ficar conversando. Perdem produtividade. (Risos) essa é uma resposta certa também, que deveria ser aceita, mas não é. É até mais criativa.

“Uma pessoa come um saco de pipoca em 30 minutos. Em quanto tempo duas pessoas comem o mesmo saco de pipoca?” Qual é a resposta que eles esperam? Metade, 15 minutos.
Eu poderia responder: “Cinco minutos”. Por quê? Vai aumentar a velocidade média de pegar a pipoca. Por quê? Tem concorrente agora. Agilizar. (Risos)

Foda-se que é sua mãe. Agiliza, porra, senão não tem pipoca não. Isso devia ser considerado, mas eles são muito obcecados por respostas e não por entender a arte de resolver problemas. E, pra aproveitar a grande oportunidade da cauda longa, nós temos que reaprender a ser autodidatas. Ser autodidata é ser protagonista da sua aprendizagem, é tomar as rédeas da sua aprendizagem e você decidir o que você quer aprender, de acordo com o seu prazer, pra você aprender no seu ritmo. E, antigamente, ser autodidata era algo isolado. Você ficava sozinho como autodidata.

Hoje em dia, você pode, pela internet, estar estudando sozinho, autodidata, e coletivo ao mesmo tempo, conectado com um monte de pessoas. Bem, pra terminar, eu queria fazer uma pergunta: E aí, você já terminou mesmo os estudos?

Quanto a gente sabe hoje em dia é menos importante do que quando a gente está aprendendo porque saber é uma condição estática, e o mundo é muito louco. A gente tem que continuar aprendendo. Como diria tio Johny: Keep Walking. Continue andando, continue aprendendo. Procure maneira de manter o foco nos estudos.